mais poética

foi lendo “Os prêmios”, do Cortázar, num verão em Porto Alegre entre 2010 e 2011. tinha começado a escrever um livro novo sem nenhum projeto narrativo, sem nenhum story board, sem nenhum tipo de planificação. tinha dois personagens e uma ideia, e escrever aquele romance me dava uma alegria imensa. aí empacava, como é sempre inevitável, e me metia a ler Cortázar — nessa época pré-Kobo tinha levado uns três quilos de livros na mala (e voltei com mais três porque sebos), e só esse Cortázar devia pesar um quilo inteiro. lia um pouco, um ou dois capítulos, e súbito voltava o fluxo da escrita durante a leitura; abandonava o livro e abria outra vez o computador, e lançava ao texto mais algumas linhas, algumas páginas. todos os dias. meu livro não tinha nada com “Os prêmios”. não na trama, nem nos personagens. mas era a forma de relacionar texto, trama e personagens que me fazia seguir escrevendo como se ler e escrever fossem uma coisa só. aí que desde “Os prêmios” e principalmente, antes dele, de “62 Modelo para armar” que tenho buscado na literatura algo que parece cada vez mais difícil de encontrar. esse enrosco entre história e linguagem que jamais despreza um deles a favor do outro. porque cada vez mais (me repito?) algumas literaturas se esforçam por separar as duas coisas. ou o livro tem história, ou tem trabalho de linguagem. não pode ter as duas coisas? como escritora de literatura mais ou menos policial me sinto às vezes num indesejado meio de caminho. a linguagem é às vezes muito complicada pra quem quer literatura de entretenimento, e a história é entretenimento demais pra quem quer um texto mais profundo. olha, não é por nada não, mas eu até que sei fazer literatura de entretenimento, e poderia me meter a escrever essa literatura hermética de academia. eu passei pela academia, também. mas eu não queria, sabe? eu quero escrever o que eu gosto de ler; e já faz um tempo que não encontro tão fácil a literatura que se esforça pelo caminho do meio. e se mesmo Cortázar tantas vezes é acusado de escrever pra adolescentes, de ser inadequado pra adultos sérios e comprometidos e inteligentes. (socorro.)

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