o discurso e o narrador

e de insistências minhas com o discurso, e a necessidade de se montar e estruturar uma forma condizente com o que se pretende, deixei passar a minha própria falha, nesse sentido, de não perceber que o incômodo e descompasso entre o objetivo e o resultado no texto se dava justamente pelo descompasso entre discurso e objeto. a forma era o descompasso. isso desconfiava, nessa leitura insistente do mestre-açu Antonio Candido, e o brilhantismo que é o livro “O Discurso e a Cidade”. que eu tenha compreendido o que os professores já disseram sobre ele, duvido. uma intuição me guiava.

Ninguém sabe melhor do que tu, sábio Kublai, que nunca se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve. No entanto, há uma relação entre ambos.

Italo Calvino, Le città invisiblili

a forma a linguagem. o discurso. eu havia enchido as paciências do Doni com esse papo, conversando sobre escritos dele. mas olhar para si é sempre outra tarefa, e em um email a um amigo que começou a ler esse meu último livro, segunda mão, comentei de uma revisão que se focou demais no temperamento do narrador, mas que ainda não foi capaz de solucionar algum problema maior. que não foi capaz de compreender o descompasso. ora! que não poderia, jamais. o temperamento do narrador não são as atitudes, tão somente. o temperamento do narrador é o discurso do narrador, e está aí o descompasso, o desencontro, o ponto central de todo o incômodo. essa gente que é texto, tão só, nunca um reflexo de imaginação sem mediador. tudo é o texto. e o texto é o discurso. a linguagem. tudo que o texto retrata vem mediado pela linguagem, inevitavelmente. nisso muito Antonio Candido insiste, e volta sempre ao texto. no que soube levar adiante a compulsividade obsessiva dos new critics para um patamar mais produtivo de análise.

No romance [o estilo] não se reduz a um modo determinado de usar a língua, pois manifesta simultaneamente a posição do narrador, formando ambos uma realidade dupla. A língua dá vida ao enfoque, o enfoque dirige o estilo.

Antonio Candido, “O mundo provérbio”, em O Discurso e a Cidade

inesperada revelação pela leitura da análise de um romance do naturalismo italiano. isso pouco importa. certo que ainda Antonio Candido não diria que se precisa existir a consciência do autor para que se alcance essa organização do discurso, e bem se pode tomar o ensaio do Schwarz sobre o Alencar para saber os efeitos possíveis (ou causas possíveis) de um tal descompasso, mas há um despropósito que se multiplica na literatura atual e é responsável por muitos insucessos e esquecimentos. deveria o autor buscar qualquer coerência interna e compreender o próprio discurso. ou. relevância, coerência. compreender certos mecanismos, para expandir possibilidades. assim como ninguém é obrigado a concordar com Antonio Candido, mas vale conhecê-lo. compreendê-lo. e depois a gente conversa.

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