Benedetti e o tempo

eu tinha lido A trégua, do Mario Benedetti, e me encantado. um pouco mais do cotidiano, e na forma de diário também uma despretenção que tira da narrativa o peso de um objetivo literário maior. a história se faz sozinha pelos caminhos do personagem-narrador que escreve o diário-livro. não se busca tão imediatamente qualquer transcendência nos acontecimentos. e está ali a história, um pouco triste, desse sujeito que se sente velho.

aí que numa promoção de uma livraria comprei um livro de contos do Benedetti: Correio do tempo. uns contos curtinhos, fui lendo aos poucos sem perceber que o livro chegava ao fim. mas tão terrível esse transformar em palavras a noção abstrata do tempo, de um inevitável. a percepção da pequeneza de tudo aquilo que é maior que nós.

E o adeus dizia: “Não suporto o mundo. Quero me encontrar. Desta vez a solidão é imprescindível. Não estou louco. Não estou delirando. Hoje quando você enfrentar o noticiário na televisão e vir mais negrinhos esqueléticos do Sudão, jangadas com marroquinos naufragando em Gilbraltar, índios do Amazonas empurrados para o próprio fim, cursos básicos de violência juvenil, além da desenfrada e programada destruição da natureza, e depois, no mesmo canal ou no seguinte, a arrogância dos governantes, demo ou autocráticos, dá quase na mesma, exibindo sem pudor sua fome de poder; sua indiferença pelo próximo, singular ou plural, e também os grandes salões da Bolsa, com a histeria milionária dos apostadores; quando vir tudo isso, talvez você entenda por que não suporto mais o mundo. (…)”

[Primavera dos outros]

me encanta principalmente essa linguagem que não exagera demais numa busca por precisão, como se acompanhando as incertezas e desvios de raciocínio que são nossos, que são inevitáveis, e que talvez não mereçam sumir de todo do texto escrito. é uma linguagem sem vergonha das banalidades do cotidiano, mas que não por isso faz delas uma bandeira.

Sabia que a morte é uma interminável planice cinzenta? Garanto que não voltarei a te incomodar. Isso mesmo, a morte é uma interminável planice cinzenta. Sem aleluias. Cinzenta.

[Secretária eletrônica]

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